TEM CORNO NO RECINTO
E o Cabra
adentrou ao recinto,
berrando que
nem bode faminto,
e variando
das pernas, caindo,
logo gritou:
moço vá me servindo
uma cachaça
com fel de paca,
porque hoje
eu passo a faca
no primeiro
que vié vindo.
O atendente
serviu temeroso,
tremendo até
o fedegoso,
prevendo a
desdita anunciada.
Derramou a
“seleta” desejada
tomado de
todo espanto.
O sujeito
deu gole pro santo
e se escorou
na cadeira aveludada.
Pense numa
coisa embaraçosa,
que nem
cascavel tinhosa
pronta pra
dar seu bote!
É que o
assento em questão,
de nobre
madeira e almofada,
vermelha e
toda bordada,
era cativa
do Manelão.
Esse jagunço
do Doutor Palma
vivia a
despachar alma
pro além
desconhecido:
alma de
filho mal parido,
alma de
corno conformado.
Era um
matuto avantajado,
parecia um
touro ensandecido.
E o sujeito
ali assentado,
tirou seu
chapéu encourado
regalando-se
cheio de razão.
O serviçal
abaixou no balcão
prevendo a
cena que daria,
pois triste
seria o dia
daquele
sujeito falastrão.
Mas o home
ali permanecia
tragando o
que lhe apetecia,
bufando alto
e fedorento.
Coçou seu
olho remelento,
xingou um
caboclo ouriçado
que na
bodega havia entrado
devagar e
desatento.
Decorridos
uns 10 minutos,
um entra e
sai de matutos
tomou conta
do ambiente.
Zé Cuiúda e
seu parente
parlamentavam
bem na porta.
E Cassiano
“Boca-Torta”
assentou-se
bem de frente.
Percebendo o
bêbado errante
levantou-se
no mesmo instante
e correu pra
rua a fofocar.
E não é que
Manelão entra no bar!
Fez-se um
silêncio tenebroso
que nem um
fantasma misterioso
teria
coragem de assustar.
Manelão
vendo o Cabra babado
no seu trono
refestelado
puxou da
faca e esbravejou:
será que
hoje o Demo enviou
um corno
para eu dar cabo?
Levanta daí
pra eu sangrar seu rabo
que até sua
bosta já enguiou!
Foi copo
caindo, cadeira virada,
home
correndo, bebida largada,
nem o
bodegueiro apareceu.
Até o
ceguinho se estremeceu
matutando
com sua bengala,
tropeçando e
quase sem fala,
debaixo da
mesa se meteu.
Mas o ousado
do sujeito,
já de pé e
meio sem jeito,
perguntou
quem ali berrava.
Manelão
sedento atinava,
era jagunço
frio e arteiro,
mirando seu
golpe certeiro
naquela veia
que esgoelava.
Tomado de
raiva e razão,
assim pensou
Manelão:
cangote de
bêbado é mior,
treme que
nem puta no amor,
jorra que
nem mina d’água.
A gente
sangra sem mágoa
e depois
brinda sem temor.
O sujeito
antes arretado,
percebendo o
aço empinado
puxou
conversa, quis assunto.
Pediu
clemência ao jagunço:
tenha dó Meu
Senhor, não me corte,
pois triste
já é minha sorte
que não
mereço virar presunto!
Traído pela
aquela bandida,
que
desafortunou minha vida,
tornando-me
desavergonhado.
E para
piorar o meu estado
trepou com o
sacristão da igreja,
o quá matei
sem peleja,
apois era um
afeminado!
Veja que
corno sou eu,
chifrado por
quem sempre deu
o seu
fedegoso arrombado.
Agora sou um
home marcado
que vive
fugindo e embebedando,
por onde
chego ou vou passando,
ouço o meu
nome maculado.
Manelão
gargalhou exagerado,
gritou pro
povo extasiado,
dizendo:
esse é o marido fuinha
que aquela
triste bichinha
papou sua muié
safada.
Ele é o Zé
da Malhada,
Cabra mole
de Dona Santinha.
Faz tempo
que já é brocha,
que não dá
conta de arrocha,
que não
empina mais a binga.
Vou meter
minha seringa
de aço forte
e brilhante
pra mode
sentir num instante
que chifre
logo se vinga!
Aí o
falastrão acabrunhado
baixou a
cabeça humilhado
e ofertou
cachaça a Manelão.
Falou manso,
ajoelhou no chão
rogando à
Deus e a Maria
um milagre,
a serventia
de escapar
do jagunção.
Mas Manelão
insatisfeito,
batendo com
a mão no peito
empurrou o
corno medroso.
Sentou na
cadeira garboso,
aprumou um
cigarro no beirço,
mandou o
infeliz puxar teirço,
gozando do
bêbado fogoso:
ver-se logo
que é mofino,
treme feito
um menino
diante de
uma assombração.
Não vou
gastar meu facão,
voismicê
morrerá de tiro,
só vai
soltar um suspiro
como apetece
a um cagão.
De repente
uma trovoada
rugiu por
cima da latada
espantando
inté Manelão.
Derribou
tudo no balcão.
Zé Malhada
fugiu calado,
num passo
atabalhoado
escafedeu na
escuridão.
É que o fifó
tinha apagado,
e todo o povo
avexado
correu sem
direção.
Gritou o
cego Janjão,
Zé Cuiúda
tapou os ouvido,
Cassiano
duro e aturdido
verteu mijo
ali no chão.
Passada a
tempestade,
a noite
engoliu a cidade
com uma
brisa poeirenta.
Manelão
abrindo as venta
rosnou feito
cão celerado.
Queria é ter
sangrado
a criatura
pestilenta.
Pelo recinto
preservado
o bodegueiro
amansado
chamou por
Deus em louvação.
Assim
termina a história
daquele
sujeito sem glória
que virou
corno no sertão.
R. Dantas
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