quinta-feira, 2 de outubro de 2014

POEMA SERTÃO MATUTINO


SERTÃO MATUTINO

(Aos diletos amigos de Uauá)


I

Nó cego de corda,

firme o laço dado.

Vaqueiro aprumado

manhã cedo acorda

pra lida com o gado.

II

O padre abre a igreja,

profere o verbo divino,

catequiza o menino

que a sua mão beija

com os lábios de mofino.

III

Beatas chegam contritas

de terço e escuro véu.

Rogam preces para o céu,

fervorosas e aflitas,

adoçando todo o fel.

IV

Um rugido, carro de boi,

ecoa lá da praça,

devagar quase não passa.

É Zé Gogó que já foi

mercadejar a sua caça.


V

Enxadas cavam o eito,

cânticos são entoados;

a labuta pelos roçados.

O trabalho, o direito

e os sonhos renovados.

VI

Zé do Leite anuncia

o seu fresco alimento,

carregado no jumento,

seu transporte e serventia;

e sereno passa o tempo.

VII

Findam a noite fria

e os uivos da lagoa.

O sabiá livre voa

anunciando com alegria

a manhã nua e boa!

VIII

A voz das lavadeiras

acorda as crianças

e renova as esperanças:

chuvas e corredeiras

para um rio de bonança!


IX

Pífaros soam distantes

em tons entrecortados.

Os ecos compassados

revelam-se intrigantes

aos ouvidos afinados.

X

Raio de sol majestoso

faz brilhar o cruzeiro.

O povaréu em converseiro

no barracão apetitoso

come carne de fumeiro

XI

Pelejas e violas,

causos recontados.

Tragos apostados,

armadilhas e gaiolas,

filhotes libertados.

XII

Ah! Sertão matutino,

querenças de menino,

os dias sem as horas.

Tempo que ferino

fez perder o tino:

saudade das auroras.
 
Roberto Dantas

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