domingo, 12 de outubro de 2014

BREVES REFLEXÕES SOBRE OS JUNHOS DA BAHIA


Acompanhei, nos últimos anos, os discursos e ações produzidos pela Secretaria do Turismo do Estado da Bahia, concernentes a sua atuação e objetivos no que respeita ao dito “resgate e revitalização dos festejos juninos no nosso estado”, discursos e ações que muito me preocuparam e, ainda, preocupam, antevendo, temeroso, a continuidade dessa política institucional equivocada, mais especialmente para o sertão da Bahia, recanto privilegiado das mais expressivas manifestações culturais populares.

Em primeiro lugar, penso que “resgate” (termo tantas vezes utilizado pelos representantes do referido órgão) não seja o mais apropriado para tratar do assunto. Mas, evidentemente, o que mais me incomoda e atemoriza, razão do que já se testemunhou em algumas cidades, foi a completa invasão de estilos e ritmos que nada traduzem ou contribuem para a justa valorização e a conseqüente visibilidade das genuínas expressões da cultura popular atrelada aos ditos festejos.

Inaceitável, no meu humilde entendimento, que “Ivetes Madeiradas”, “Bells Camaleônicos”, “Léos Rebolations”, “Psiricos”, “Fantasmões”, “Loirinhas Desnatadas”, “Evas sem Adão”, “Tomates Enjoativos”, “Durvais Mal-Coroados”, “Forrós Plastificados", enfim axés, pagodes e falsos forrós, alguns até de competências tão duvidosas, outros com seus intoleráveis apelos sexuais exibidos sob uma parafernália de sons e luzes, ocupem, de forma agressiva porque majoritária, os palcos principais e, da mesma forma, percebam os melhores cachês, o que resulta na inaceitável e revoltante exclusão dos cantadores e compositores sertanejos, dos sanfoneiros, dos tocadores de pé-de-bode e de pífaros, dos zabumbeiros, das quadrilhas juninas, dos cordelistas e poetas populares! Para estes últimos – que deveriam ser os mais solicitados e valorizados! - quando eventualmente contratados, são reservados os horários de menor ocorrência de público e os mais reles pagamentos pelos seus qualificados trabalhos. Ou seja, tem havido uma total e injusta inversão de valores!

Recentemente, apenas para citar um exemplo, causou-se indignação o desabafo de um grande mestre cantador da cultura popular sertaneja que, triste e revoltado, assim traduziu a sua desdita: “tive pouco tempo para tocar meu professor! Me apresentei acuado entre duas grandes bandas!”. Inteligente trocadilho (o grifo é para ressaltar mesmo!) que claramente traduz as contradições aqui apresentadas e que carecem, efetivamente, de imediata reação. Como se fosse um “enchimento de lingüiça”, assim se sentiu o compositor e cantador do sertão, o nosso querido Mestre Cavachão de Uauá, quando de sua apresentação “the flash” em sua própria cidade! Eis a preocupante realidade: entre as suntuosas apresentações das bandas “famosas” - cujos dançarinos mais encenam exercícios aeróbicos, coreografias sexuais dispensáveis e malabarismos circenses de mau gosto e cujos cantores mais gritam desafinados do que propriamente cantam -, timidamente e sob inaceitáveis pressões se apresentam os cantadores e músicos do cancioneiro popular sertanejo.

Tenho plena consciência de que a cultura é dinâmica, diversa, naturalmente renovadora nos seus passos e inovadora nas suas criações, que jovens artistas e suas produções rítmicas diferenciadas surjam e, conseqüentemente, enriqueçam o cenário cultural, considerando-se, inclusive, a propalada, porém pouco entendida e pouco respeitada, diversidade cultural baiana. Mais aceitável ainda que o “dito moderno” conviva com o “dito tradicional”. Cultura sempre foi e será movimento! Entretanto, sem exclusões e violentas descaracterizações!

Mas, a infeliz conjunção do desconhecimento e desrespeito pelas tradições culturais com a demagogia que esconde ambiciosos, escusos e interesses imediatistas, tanto dos setores privados (inclua-se, aqui, boa parte dos poderosos canais midiáticos), quanto de algumas autoridades públicas então constituídas, têm, na real, contribuído para este quadro inaceitável que hoje se pinta nos junhos baianos.

Roberto Dantas.





Um comentário:

  1. É, assim como os festejos juninos, com o Carnaval da nossa querida Salvador, vem acontecendo o mesmo. Os órgãos ligados ao turismo do Estado, que deveriam trabalhar em favor da cultura baiana - rica sobretudo, pela sua diversidade -, agem de forma unilateral, favorecendo aos interesses dos empresários, os quais só pensam no lucro.

    Como dizia Caetano "Triste Bahia"..

    Boas as reflexões professor.
    Abraço

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