segunda-feira, 6 de outubro de 2014

“REFLEXÕES SOBRE OS CONTEXTOS POLÍTICOS (NACIONAL E BAIANO) À ÉPOCA DO EPISÓDIO CANUDOS”


SALVE CANUDOS!






A fundação do famoso Arraial do Bello Monte, que ficou mais conhecido como Canudos, deu-se em junho de 1893, poucos anos, portanto, da implantação do novo regime político no país, a República, proclamada em novembro de 1889. Da mesma forma, um ano antes, a mudança do sistema de trabalho e de produção havia sofrido grande transformação, pois que em maio de 1888 foi legalmente extinto o sistema escravista brasileiro. A Lei Áurea decretara a abolição.

Evidentemente que tais fatos, sinalizadores não somente de transformações básicas para a economia, mas, do mesmo modo, fomentador de grandes perspectivas para a sociedade brasileira, muito contribuíram para o acirramento das tensões políticas, em especial entre os chamados monarquistas restauradores (apeados, portanto, do poder), os republicanos históricos (os que reivindicavam mudanças reais na política e defendiam uma participação popular mais efetiva, sobretudo no contexto das decisões políticas) e os alcunhados republicanos de “última hora”, os que afinal proclamaram a República com a espada na mão (políticos conservadores, ex-monarquistas, militares positivistas).

Em meio às frequentes tensões e disputas por maiores espaços e representatividades na vida política nacional, assim como no comando político dos Estados da Federação (pois, com a implantação da República as Províncias transformaram-se em Estados), as elites políticas locais também ensejaram suas lutas, fundamentadas tanto nas suas antigas “rixas” regionais, quanto nas disputas acirradas por um maior apoio político junto aos novos representantes assentados no poder central.

Na Bahia, à época da formação do Arraial do Bello Monte (Canudos), dava-se uma ferrenha luta entre dois grupos político-oligárquicos, cujos representantes e fiéis partidários vinculavam-se ao Sr. José Gonçalves (ex-governador) e o então mandatário do Estado, o Sr. Luiz Viana. Estes políticos e seus respectivos seguidores receberam os apelidos sugestivos de “Gonçalvistas” e “Vianistas”.

Antônio Conselheiro, peregrino persistente, defensor intransigente de uma moral católica rígida e clamando, pelos sertões nordestinos, por terra e justiça social para os que ele próprio identificava como os “mal-aventurados”, atraía, pela sua palavra e pelas suas obras, os mais despossuídos sertanejos, incomodando, assim, aos representantes do Clero Católico (que perdiam cada vez mais os seus fiéis para o séquito conselheirista) e aos grandes proprietários de terras (que igualmente perdiam muitos dos seus explorados empregados, que então demandavam para Canudos).

Estabelecido o Arraial do Bello Monte (que ficaria mais conhecido como Arraial de Canudos), rapidamente levas e levas de sertanejos, vindos das mais díspares e longínquas localidades para lá se deslocaram, criando reais dificuldades para o funcionamento de algumas fazendas e causando, é lógico, preocupações e mesmo a ira da parte de alguns padres na região e, mais particularmente, dos altos representantes da Igreja Católica. Crescem, a partir daí, as pressões desses dois grupos (Fazendeiros/Religiosos) sobre o governo estadual, no sentido de se destruir totalmente o “arraial insurrecto”, dissipando toda aquela gente que para lá foi em busca, não há dúvida, de melhores e mais tranqüilas condições de vida.

Uma das vozes mais exigentes na região de Canudos, que muito combateu e denunciou o trabalho e o prestígio de Antônio Conselheiro, foi a do famoso e autoritário Barão de Geremoabo, homem de muitas posses e de influência política, aliado do ex-governante baiano, o Sr. José Gonçalves. Além dos seus interesses particulares - pois havia perdido muitos de seus explorados trabalhadores - o citado Barão desejava, junto com o seu chefe político, desestabilizar o governador Luiz Viana, denunciando-o ao Governo Central Republicano como “incompetente” e até “conivente” com a atuação de Conselheiro e, em especial, com a existência e livre funcionamento do Arraial do Bello Monte nos sertões baianos.

Com o sucesso do Arraial de Canudos - que passou a manter pequenas relações comerciais com outros fazendeiros que viram no novo arraial oportunidades de bons negócios e que atraía, sem controle, caixeiros viajantes, pequenos negociantes, ex-jagunços e homens que, por estarem em dívidas com a justiça, buscavam o perdão de suas faltas naquela comunidade de forte traço religioso -, as cobranças aumentaram de tom e viraram ameaças diretas ao governo do Sr. Luiz Viana. Adjetivos os mais exagerados foram atribuídos a Conselheiro e a Canudos, disseminados irresponsavelmente pelos políticos “Gonçalvistas” e seus seguidores, com a omissão e, às vezes até, a concordância do chamado Clero Católico, adjetivos que então maculavam o Conselheiro de “Louco Fanático”, “Monarquista Restaurador”, e a cidadela de Canudos como “covil de ladrões”, “reduto de jagunços e de criminosos”, cuja sustentação era mantida por velhos políticos monarquistas, os quais, aproveitando-se da ignorância dos miseráveis sertanejos, alimentavam o arraial com dinheiro, armas e contratação de mercenários.

Com o início e o desenrolar dramático da guerra contra o povo de Conselheiro, essas disputas paroquianas da política baiana (Gonçalvistas x Vianistas) contribuíram, sem dúvida, para as perseguições sofridas pelos sertanejos, que afinal acreditaram no sonho de uma vida mais digna, sem exploração do trabalho, sem impostos e com mais facilidades para ter acesso a terra. Os sertanejos defenderam o seu grande guia e a sua religião, mas, da mesma forma, o seu solo e o seu teto, inclusive porque para muitos que ali fizeram a sua definitiva morada, solo e teto tidos como sagrados!

Conselheiro efetivamente combatia a República em razão de este novo regime contrariar, com suas medidas, a sua religião e por entender que o mesmo explorava o povo pobre, em especial os seus “mal-aventurados” sertanejos. Na sua arcaica e arraigada formação religiosa, como de resto a de muitos irmãos nordestinos, Antônio Conselheiro não aceitava – pois assim havia aprendido – a expulsão do Imperador D. Pedro II do seu Trono, já que legítimo representante de Deus na terra. Sendo assim, somente Deus poderia privá-lo do seu poder perante os homens! Conselheiro, inclusive, havia aumentado a sua simpatia pela Monarquia em face da recente abolição da escravatura (maio/1888), fato por ele bastante comemorado, sendo muitos dos seus seguidores ex-escravos. Da mesma forma, o sistema republicano instituiu o casamento civil, perdendo legalidade e relativa importância o casamento religioso, a chamada “benção de Deus”, o que, na opinião de Conselheiro, era um “sacrilégio”, um desrespeito às leis de Deus e da Igreja! Além disso, a implantação, pela República, dos impostos sobre mercadorias que eram, antes, livremente negociadas nas feiras das pequenas cidades, muito desagradou ao Conselheiro, julgando tal cobrança injusta e arbitrária, na medida em que denunciava a República como verdadeira exploradora do povo humilde, já que cobrava, enquanto governo, por algo que nunca havia dado aos pobres! Tornou-se famoso o acontecimento da feira livre de Natuba (hoje, Nova Soure), quando Conselheiro mandou que os feirantes desta localidade quebrassem as tabuletas que especificavam os valores dos impostos a serem pagos, previamente, aos representantes do novo sistema político então implantado no país.

Portanto, as acusações exacerbadas que apontavam, sem zelos, Antônio Conselheiro e os seus numerosos e fiéis seguidores como sendo perigosos conspiradores para um golpe monárquico, ou que atuavam sustentados e influenciados por políticos conservadores e restauradores da chamada “Ordem Monárquica”, quando não beiravam a calúnia insensata, respondiam, cinicamente, pelos seus interesses mesquinhos e politiqueiros, objetivando a desestabilização do quadro político local, criando oportunidades extraordinárias para recuperar o domínio do poder local. Os grandes proprietários de terras, os representantes das elites católicas e políticas da Bahia não pouparam as suas línguas ferinas e nem os mais escusos métodos de coação, usando o exemplo de Canudos para auferir a conquista de seus mais particulares interesses.

O contexto nacional, tal qual o baiano, também foi muito propício para que as autoridades republicanas, através das suas mais radicais representações, em especial os chamados militares florianistas, saudosos do Marechal Floriano Peixoto, alcunhado o “Marechal de Ferro”, utilizassem a existência de Canudos para expurgar quaisquer tentativas de restauração monárquica no país. Os militares passaram, com maior ênfase, a combater Conselheiro e Canudos também em razão das seguidas derrotas – para eles inaceitáveis! – de suas tropas nos sertões baianos. Nunca é demais lembrar que foram necessários onze penosos meses (Nov/1896-Out/1897) e o envio de quatro expedições militares, inclusive com o deslocamento de efetivos de 17 estados brasileiros e do próprio Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, para se vencer a resistência dos conselheiristas.


Roberto Dantas

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