SALVE CANUDOS!
A fundação do famoso Arraial do
Bello Monte, que ficou mais conhecido como Canudos, deu-se em junho de 1893,
poucos anos, portanto, da implantação do novo regime político no país, a
República, proclamada em novembro de 1889. Da mesma forma, um ano antes, a
mudança do sistema de trabalho e de produção havia sofrido grande
transformação, pois que em maio de 1888 foi legalmente extinto o sistema
escravista brasileiro. A Lei Áurea decretara a abolição.
Evidentemente que tais fatos,
sinalizadores não somente de transformações básicas para a economia, mas, do
mesmo modo, fomentador de grandes perspectivas para a sociedade brasileira,
muito contribuíram para o acirramento das tensões políticas, em especial entre
os chamados monarquistas restauradores (apeados, portanto, do
poder), os republicanos históricos
(os que reivindicavam mudanças reais na política e defendiam uma participação
popular mais efetiva, sobretudo no contexto das decisões políticas) e os alcunhados
republicanos de “última hora”, os
que afinal proclamaram a República com a espada na mão (políticos
conservadores, ex-monarquistas, militares positivistas).
Em meio às frequentes tensões e
disputas por maiores espaços e representatividades na vida política nacional, assim
como no comando político dos Estados da Federação (pois, com a implantação da
República as Províncias transformaram-se em Estados), as elites políticas
locais também ensejaram suas lutas, fundamentadas tanto nas suas antigas
“rixas” regionais, quanto nas disputas acirradas por um maior apoio político
junto aos novos representantes assentados no poder central.
Na Bahia, à época da formação
do Arraial do Bello Monte (Canudos), dava-se uma ferrenha luta entre dois
grupos político-oligárquicos, cujos representantes e fiéis partidários vinculavam-se
ao Sr. José Gonçalves (ex-governador) e o então mandatário do Estado, o Sr.
Luiz Viana. Estes políticos e seus respectivos seguidores receberam os apelidos
sugestivos de “Gonçalvistas” e “Vianistas”.
Antônio Conselheiro, peregrino
persistente, defensor intransigente de uma moral católica rígida e clamando,
pelos sertões nordestinos, por terra e justiça social para os que ele próprio
identificava como os “mal-aventurados”, atraía, pela sua palavra e pelas suas
obras, os mais despossuídos sertanejos, incomodando, assim, aos representantes
do Clero Católico (que perdiam cada vez mais os seus fiéis para o séquito
conselheirista) e aos grandes proprietários de terras (que igualmente perdiam
muitos dos seus explorados empregados, que então demandavam para Canudos).
Estabelecido o Arraial do Bello
Monte (que ficaria mais conhecido como Arraial de Canudos), rapidamente levas e
levas de sertanejos, vindos das mais díspares e longínquas localidades para lá
se deslocaram, criando reais dificuldades para o funcionamento de algumas
fazendas e causando, é lógico, preocupações e mesmo a ira da parte de alguns
padres na região e, mais particularmente, dos altos representantes da Igreja
Católica. Crescem, a partir daí, as pressões desses dois grupos (Fazendeiros/Religiosos)
sobre o governo estadual, no sentido de se destruir totalmente o “arraial insurrecto”,
dissipando toda aquela gente que para lá foi em busca, não há dúvida, de
melhores e mais tranqüilas condições de vida.
Uma das vozes mais exigentes na
região de Canudos, que muito combateu e denunciou o trabalho e o prestígio de
Antônio Conselheiro, foi a do famoso e autoritário Barão de Geremoabo, homem de
muitas posses e de influência política, aliado do ex-governante baiano, o Sr.
José Gonçalves. Além dos seus interesses particulares - pois havia perdido
muitos de seus explorados trabalhadores - o citado Barão desejava, junto com o
seu chefe político, desestabilizar o governador Luiz Viana, denunciando-o ao
Governo Central Republicano como “incompetente” e até “conivente” com a atuação
de Conselheiro e, em especial, com a existência e livre funcionamento do
Arraial do Bello Monte nos sertões baianos.
Com o sucesso do Arraial de Canudos
- que passou a manter pequenas relações comerciais com outros fazendeiros que
viram no novo arraial oportunidades de bons negócios e que atraía, sem
controle, caixeiros viajantes, pequenos negociantes, ex-jagunços e homens que,
por estarem em dívidas com a justiça, buscavam o perdão de suas faltas naquela
comunidade de forte traço religioso -, as cobranças aumentaram de tom e viraram
ameaças diretas ao governo do Sr. Luiz Viana. Adjetivos os mais exagerados
foram atribuídos a Conselheiro e a Canudos, disseminados irresponsavelmente
pelos políticos “Gonçalvistas” e seus seguidores, com a omissão e, às vezes
até, a concordância do chamado Clero Católico, adjetivos que então maculavam o
Conselheiro de “Louco Fanático”, “Monarquista Restaurador”, e a cidadela de
Canudos como “covil de ladrões”, “reduto de jagunços e de criminosos”, cuja
sustentação era mantida por velhos políticos monarquistas, os quais,
aproveitando-se da ignorância dos miseráveis sertanejos, alimentavam o arraial
com dinheiro, armas e contratação de mercenários.
Com o início e o desenrolar dramático
da guerra contra o povo de Conselheiro, essas disputas paroquianas da política
baiana (Gonçalvistas x Vianistas) contribuíram, sem dúvida, para as
perseguições sofridas pelos sertanejos, que afinal acreditaram no sonho de uma
vida mais digna, sem exploração do trabalho, sem impostos e com mais
facilidades para ter acesso a terra. Os sertanejos defenderam o seu grande guia
e a sua religião, mas, da mesma forma, o seu solo e o seu teto, inclusive porque
para muitos que ali fizeram a sua definitiva morada, solo e teto tidos como
sagrados!
Conselheiro efetivamente
combatia a República em razão de este novo regime contrariar, com suas medidas,
a sua religião e por entender que o mesmo explorava o povo pobre, em especial
os seus “mal-aventurados” sertanejos. Na sua arcaica e arraigada formação
religiosa, como de resto a de muitos irmãos nordestinos, Antônio Conselheiro
não aceitava – pois assim havia aprendido – a expulsão do Imperador D. Pedro II
do seu Trono, já que legítimo representante de Deus na terra. Sendo assim,
somente Deus poderia privá-lo do seu poder perante os homens! Conselheiro,
inclusive, havia aumentado a sua simpatia pela Monarquia em face da recente
abolição da escravatura (maio/1888), fato por ele bastante comemorado, sendo
muitos dos seus seguidores ex-escravos. Da mesma forma, o sistema republicano
instituiu o casamento civil, perdendo legalidade e relativa importância o
casamento religioso, a chamada “benção de Deus”, o que, na opinião de
Conselheiro, era um “sacrilégio”, um desrespeito às leis de Deus e da Igreja!
Além disso, a implantação, pela República, dos impostos sobre mercadorias que
eram, antes, livremente negociadas nas feiras das pequenas cidades, muito desagradou
ao Conselheiro, julgando tal cobrança injusta e arbitrária, na medida em que
denunciava a República como verdadeira exploradora do povo humilde, já que
cobrava, enquanto governo, por algo que nunca havia dado aos pobres! Tornou-se
famoso o acontecimento da feira livre de Natuba (hoje, Nova Soure), quando
Conselheiro mandou que os feirantes desta localidade quebrassem as tabuletas
que especificavam os valores dos impostos a serem pagos, previamente, aos
representantes do novo sistema político então implantado no país.
Portanto, as acusações
exacerbadas que apontavam, sem zelos, Antônio Conselheiro e os seus numerosos e
fiéis seguidores como sendo perigosos conspiradores para um golpe monárquico, ou
que atuavam sustentados e influenciados por políticos conservadores e
restauradores da chamada “Ordem Monárquica”, quando não beiravam a calúnia
insensata, respondiam, cinicamente, pelos seus interesses mesquinhos e
politiqueiros, objetivando a desestabilização do quadro político local, criando
oportunidades extraordinárias para recuperar o domínio do poder local. Os
grandes proprietários de terras, os representantes das elites católicas e políticas
da Bahia não pouparam as suas línguas ferinas e nem os mais escusos métodos de
coação, usando o exemplo de Canudos para auferir a conquista de seus mais
particulares interesses.
O contexto nacional, tal qual o
baiano, também foi muito propício para que as autoridades republicanas, através
das suas mais radicais representações, em especial os chamados militares florianistas,
saudosos do Marechal Floriano Peixoto, alcunhado o “Marechal de Ferro”,
utilizassem a existência de Canudos para expurgar quaisquer tentativas de
restauração monárquica no país. Os militares passaram, com maior ênfase, a
combater Conselheiro e Canudos também em razão das seguidas derrotas – para
eles inaceitáveis! – de suas tropas nos sertões baianos. Nunca é demais lembrar
que foram necessários onze penosos meses (Nov/1896-Out/1897) e o envio de
quatro expedições militares, inclusive com o deslocamento de efetivos de 17
estados brasileiros e do próprio Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt,
para se vencer a resistência dos conselheiristas.
Roberto Dantas
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