sábado, 27 de dezembro de 2014

FIO D'ÁGUA




















FIO D’ÁGUA

Filete d’água luminoso,
córrego mágico da infância.
Triste o vejo minguando,
suas bordas agonizando,
conduzindo a  minha ânsia
por um ato milagroso.

Oh Deus que a tudo provê,
enche essas águas de ternuras.
Pois sua correnteza sadia,
pura e cheia de alegria
alimenta a tantas criaturas
bastando para isso correr.

E quanta poesia pode criar
a partir de seus barulhos sutis.
Quantas aves aqui gorjeiam,
livres e leves galanteiam
com piabinhas e lambaris
numa comunhão ímpar!

Filete d’água do velho rio,
Barris das dádivas – Uauá.
Pirilampo que me faz sonhar. 

Roberto Dantas
Dez / 14


segunda-feira, 24 de novembro de 2014

CAMINHOS






















São muitos, mas às vezes bastante sutis, os caminhos que se apresentam ante as incertezas e surpresas que a vida oferta em sua sinuosa e complexa trajetória. São contingências quase sempre sinalizadoras de imperativas transformações, que podem ou não exigir sacrifícios.  Talvez mesmo a boa sabedoria e o equilíbrio sejam o esculento basilar para os próximos passos, apesar de não compactuar tão facilmente, e para todas as circunstâncias da vida, com este último traço comportamental ou com esta conduta exigida para todos nós.

A ideia, que imagino esteja na mente da grande maioria dos indivíduos, é a de sempre progredir, tal qual, com esmerado saber, nos ensina a doutrina kardecista em relação ao espírito. Por mais que a vida seja pontuada de idas e vindas e que, como bem disse o poetinha*, “ser a vida a arte do encontro, apesar de tantos desencontros na vida”, ela – havendo, sobretudo, sensibilidade e disponibilidade para a escuta - ensejará as preciosas oportunidades de revisão de conceitos, de mudança de opiniões, de reconhecimento dos nossos erros, de absorção de novos e interessantes valores e, por aí, por essas veredas da transformação e do conhecimento, seguirá sinalizando a sua rica, contraditória e, por isso mesmo, bela senda.

Portanto, saudável é sermos sensíveis e disponíveis, respectivamente para o âmago dos nossos sentidos, para o que “dentro pulsa”, para a naturalidade dos nossos sentimentos (em detrimento de tantas cobranças e convenções pré-fabricadas, “exteriores”); e menos preocupados com o que se costuma propalar como sendo “padrão social” ou “politicamente correto”.  As aparências, por mais que se desvelem extravagantes ou mascaradas, não iludem, por longa temporalidade, aquilo que se esconde ou até mesmo se tenta ignorar no recôndito da alma. Os faróis faciais, cedo ou tarde, abrupta ou sutilmente, através dos contraditórios e até mesmo inesperados olhares, denunciam! Necessário refletir e serenamente caminhar!


R. Dantas
Novembro/14

*Vinicius de Moraes


terça-feira, 18 de novembro de 2014

POEMA ABSORTO





Porta aberta para o entardecer
por onde vejo o sol em desmantelo.
Em mim a memória sendo o elo
entre o medo e a vontade de ser.

Cicatrizes de dores passadas
que ainda hoje sutis se desnudam.
Crepúsculo de nuvens condensadas,
levemente escurecem e mudam.

Aos poucos me invade a calmaria
feito um barco no rio largado.
E na rede me vem a fantasia
de ser um vivente iluminado.

O silêncio da noite companheiro
renova o desejo de ser poeta.
De livre perder-se por inteiro
nos atalhos sem linha reta.

E no seio de toda essa viagem,
a ditar serenamente meu pulso,
está você em lívida imagem
provocando o imediato impulso.

Abandonei-me, aqui, serenamente,
deixei-me pelos seus olhos levitar.
E tudo que produzirei na mente
ao seu encontro me levará.

Roberto Dantas
Novembro/14






POEMA ATALHOS DO TEMPO













Nesses atalhos de alecrins,
morada dos silentes querubins,
descansei o meu corpo sedento.
Inefável é o doce aroma
que me prende nessa redoma
purificando todo o tempo.

Ínvios caminhos do sertão,
que trago na palma da mão,
são as veredas da felicidade.
Lajedos, córregos, serras, capim,
paragens que dentro de mim
subvertem a vil realidade.

Maria Preta, Uauá, Caratacá,
Vaza Barris, Rio das Pedras, Quitá,
João Batista, Abade e Conselheiro.
Lugares e gentes que agora vejo,
rasgos de luz, raros lampejos,
fustigando ao coração catingueiro.

Roberto Dantas

Nov / 2014.




domingo, 9 de novembro de 2014

O TURISCULT QUE FOI POSSÍVEL




É com grande lamento que vimos manifestar as nossas frustrações e questionamentos a quem de direito -  mais especialmente, aos organismos das diversas esferas gestoras desta nossa UNEB -, em razão, portanto, da inviabilidade de se realizar um evento de caráter eminentemente acadêmico-cultural, o qual, necessário é dizer, além de ter sido idealizado por professores e estudantes e voltado democraticamente para toda a comunidade unebiana, foi devidamente planejado e, com considerável antecedência, apresentado aos já mencionados setores constituintes da administração desta universidade.

Apenas para pontuar o que acima foi dito e expressar o nosso grande lamento, esclarecemos que a proposta do evento “TURISCULT: a cultura popular do sertão” atendeu aos ditos pré-requisitos acadêmicos administrativos e que sempre são “convencionados” como politicamente corretos, ou seja: a proposta foi em tempo hábil – FINAL DE MAIO DO CORRENTE ANO! - apresentada e aprovada em reunião do Colegiado de Turismo e Hotelaria, ao qual estão vinculados os seus idealizadores; apresentada à Direção deste DCH I; aprovada no Conselho Departamental e, atendendo solicitação posterior, também inscrita no NUPE e catalogada no SIP. Portanto, um evento – forçoso mesmo ressaltar! - adequadamente oficializado e fiel aos prazos estipulados pelas instâncias universitárias!


Apesar desses cuidados, o que para nós ficaram patentes, configurando-se como inadequadas condutas e injustificáveis respostas, foram a indisponibilidade, a irresponsabilidade, às vezes mesmo a má vontade e, sobretudo, a incompetência para atendimento de um simples pleito acadêmico, sobretudo quando concebemos que a universidade enquanto casa soberana e plural dos saberes – como, aliás, o nome já claramente expressa: UNIVERSIDADE -, pode e deve acolher a cultura no seu laborioso cotidiano, não se resumindo as suas atividades, como ainda muitos profissionais medíocres pensam e tentam impor, à sala de aula! É na universidade, na qual há o chamado tripé acadêmico conformado pelas ações de ensino, pesquisa e extensão, que se dá, inclusive, o saudável e produtivo encontro das culturas, vale dizer das identidades e, justamente a partir de abordagens críticas e responsáveis, é que aprendemos a respeitar, com dignidade, as diferenças!




Assim nos manifestamos e, com firmeza, marcamos nossa posição para que outros propositores, nos seus legítimos desejos de produzirem iniciativas de igual significância, estejam “vacinados” para o enfrentamento de barreiras inaceitáveis e possam, com melhor sorte, realizar os seus projetos.  As desculpas historicamente propaladas pelos gestores para o não atendimento dos nossos pleitos sempre se fundaram e ainda se escondem nas ditas “amarras da burocracia”. Entretanto, justamente para fugir ou se prevenir destas tão questionáveis ilações, tudo fizemos com considerável tempo para as possíveis resoluções e acatamos a todas as exigências acadêmicas! Portanto, há algo a mais a ser decifrado e corrigido nesse ambiente de inadimplências e incertezas!

Ao mesmo tempo, torna-se necessário destacar a fidalguia e o interesse com que o Senhor Diretor do DCH I acolheu à proposta e a todos nós, seus idealizadores, sempre quando procurado. Mas não foi suficiente.

Muito danosas são as conseqüências quando, por razões e entraves descartáveis, se frustra uma proposta cultural dessa natureza, que objetivava congregar os corpos universitários – professores, estudantes e funcionários -, pois que tanto desestimula àqueles que, com criatividade e dedicação, buscam realizar seus intentos, quanto aos que obteriam novos e relevantes conhecimentos, obviamente fundamentais para a caminhada universitária. Hoje, aqui, intentava-se, dentre outras ações benéficas, a uma melhor e mais justa visibilidade das expressividades da cultura popular do nosso sertão. Entretanto, mais uma vez, foi abortado um canal propício e imperativo para o livre exercício de tal iniciativa!





Por fim, sensibilizados, agradecemos a todos os que colaboraram e, sobretudo, se irmanaram com a nossa ideia. Agradecemos ao Colegiado de Turismo e Hotelaria, à sua coordenadora e à sua secretária, e aos estudantes protagonistas do TURISCULT, ao tempo em que salientamos que o silêncio ou a conivência não poderiam fazer e jamais farão parte das nossas condutas.


EQUIPE TURISCULT.
Novembro de 2014.




quarta-feira, 5 de novembro de 2014

FÉ E RESISTÊNCIA SOB UM SILÊNCIO REVELADOR



















Pelos atalhos, ainda quase desertos, que os lajedos sinuosamente desenham e que os filetes d’água intermitentes singularmente embelezam a rude catinga do sertão de Uauá, concebi - mais do que isso senti! - a fé inegociável e a sanha indomável dos guerreiros conselheiristas quando dos dias tormentosos da fratricida guerra sertaneja. Transcorridos quase cento e vinte anos das sangrentas batalhas, aqui, conduzido por esse silêncio sepulcral e como que transportado para aqueles tempos idos, imagino João Abade a combater Pires Ferreira e, assim, com muito respeito, também silencio no recôndito mais profundo do coração o lamento das lágrimas que ainda teimam escorrer na minha face de sonhador. Reminiscências que não se apagam.


Aqui, onde no passado florescia uma pacata vila de pobres viventes, abençoada, depois, pelas graças de São João Batista, seu amado padroeiro, uma tropa militar de mais de cem soldados padeceria cruel embate numa luta que a história registrou como sendo o “Primeiro Fogo da Guerra de Canudos”. Aqui, naquele novembro de 1896, quem não fugiu para negar apoio aos invasores, amoitou-se, sob preces, em seu casebre, ou clandestinamente colaborou com os irmãos adeptos do grande e fervoroso guia dos mal-aventurados, o peregrino Antônio Conselheiro. Eram dias difíceis, de seguidas e graves conturbações políticas, mas, sobretudo, dias de carestia e de desumanas exclusões, quando a maioria dos sertanejos – sempre esquecidos pelas autoridades constituídas ou explorados pelos seus patrões autoritários - buscava e encontrava algum refrigério na palavra e, especialmente, nos atos do citado andarilho. Dias do Belo Monte Conselheirista. Dias da nova e contraditória era republicana no Brasil. Dias de Conselheiro.





Aqui também passa o Vaza Barris, rio que então banhava o solo comunitário belomontense em que pululavam quase trinta mil almas. Solo sagrado em que muito se pediu graças ao Bom Jesus; eito em que foram edificadas milhares de moradias, onde respectivamente se plantou e se colheu sementes e frutos; terra onde foram criados muitos filhos e se estabeleceram devotados sertanejos; comunidade que, apenas vencidos três anos de sua laboriosa existência, com impensável denodo e assustadora disposição, envidou suas defesas, mas que, finalmente, pereceria, após longos onze meses, ante as bombas e as dinamites, ao querosene e ao insano canhoneio. Mas do que isso: ante a covarde “gravata vermelha”! História ao mesmo tempo belíssima e dramática de um povo crente e trabalhador. Seu grande e inesquecível legado: fé e resistência!

E essas duas valorosas expressões me fazem, aqui à beira desse filete d’água do mesmíssimo e histórico rio, às portas de Uauá, serenamente refletir. Fé que ainda hoje – e novamente me entrego àquele silêncio revelador – é percebida em seus atuais residentes, consignada em tantos momentos de seu cotidiano adverso, todavia, mais especialmente vivenciada quando dos ritos e louvores carinhosamente dedicados ao santo padroeiro nos dias de junho. O amado São João Batista que abençoa e ilumina o povo uauaense e a esta “Terra dos Pirilampos”. Fé que se renova e cotidianamente se atrela à resistência, hoje não mais ensejada numa guerra para expulsão de indesejados visitantes! Mas uma resistência que se desnuda, tão corajosa quão sedutora, nas expressões de sua cultura sertaneja, de cunho eminentemente popular. Pois que Uauá é, no sertão da Bahia, o gracioso e acolhedor recanto da musicalidade e da poesia, fundadas na sensibilidade e virtuosidade de seus compositores, cantadores e instrumentistas. Afinal, manifestações culturais imprescindíveis enquanto saudável esculento para a alma.





São sanfoneiros, zabumbeiros, tocadores de pífaros e de pé de bode, cantadores, cordelistas, aboiadores e poetas populares, enfim uma plêiade de artistas de rara qualidade a esvurmar, sem descanso e com singular alegria, os seus nobres talentos. Pois que Uauá, além de ter sido a trincheira primeira e vitoriosa do povo do Conselheiro, e de ser a encantadora capital do bode e do saboroso umbu, sempre foi e será festa!  Uauá é São João, é alvorada junina, é vida, é vaqueiro, é história. É sertão!


Salve Uauá!

Roberto Dantas
Novembro/2014



segunda-feira, 3 de novembro de 2014

SALVE MESTRE CAVACHÃO DE UAUÁ!

SALVE!
02 de novembro de 2014









Um dia de merecida celebração! Um domingo inesquecivelmente feliz! Recepcionado por tantos e talentosos artistas, por inúmeros amigos e admiradores e, em especial, saudado pela sua família, assim Cavachão, além de completar oitenta e três anos de uma trajetória de vida pautada pela labuta, pelas andanças, pela música e pelo riso, lançou o seu livro - "Mestre Cavachão" - no acolhedor Espaço Cultural Toque de Zabumba, na não menos acolhedora "Terra dos Pirilampos", a histórica Uauá da Guerra de Canudos, do bode, do umbu, das alvoradas juninas dedicadas a São João Batista e, certamente, maior recanto da cultura popular do sertão baiano.

Honestamente sensibilizado, tive a honra de, ao lado dos grandes amigos Max Ribeiro, Gildemar Sena e Pedro Peixinho, colaborar com a organização da merecida obra que versa sobre a vida e a produção musical - tantas composições! - do reverenciado mestre, patrocinada pela Prefeitura Municipal de Uauá.

Sublimes as presenças de tantos parceiros da chamada "Velha Guarda" e tantos amigos fraternos de Cavachão, dentre outras as de Veinho Sanfoneiro, D'Assis Sanfoneiro, Janjão, Zé de Auto, Gigi Ramos, Olímpio Cardoso, Dona Epifânia e Deoclécio Aboiador. Mas, igualmente, prazerosas presenças de outros talentos da música e da poesia popular, a exemplo de Zecrinha, João Sereno, Rennan Mendes, Claudio Barris, Ricardo Dom, Jorjão da Zabumba, Marcos Fonte Nova, Bosco do Realejo, Romarinho, Victor Fidel, BGG da Mata Virgem.


                                     (Veinho Sanfoneiro e Mestre Cavachão)

Bolo em forma de viola, foguetório, discursos, poesia e muita cantoria! Portanto, uma festa de alegria e de muita emoção, dois singelos sentimentos que o querido mestre sempre dedicou e naturalmente provoca em seus conterrâneos, como de resto em todas as pessoas que dele se aproximam, seduzidos pela sua simplicidade e simpatia.


  (M. Fonte Nova, Zecrinha, João Sereno, Cavachão e Rennan Mendes)


                                     (Max Ribeiro, Mestre Cavachão, R. Dantas e Fidel)
                                      
Parabéns Mestre Cavachão! Salve o sertão de Uauá!

Roberto Dantas.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

BREVES REFLEXÕES SOBRE A PARTICIPAÇÃO DO EXÉRCITO NA GUERRA DE CANUDOS










(Registro - R. Dantas)



A guerra fratricida de Canudos (Nov/1896 – Out/1897), para além do assustador número de mortos, feridos, inválidos - máculas impagáveis para o cotidiano logo depois vivenciado pelas comunidades sertanejas que viviam no entorno do insurrecto Arraial do Belo Monte (Canudos) -, deixou, como inaceitável e triste legado, a incompetente e violenta participação do Exército Republicano Brasileiro, consignada, dentre outros desmandos, na desorganização das operações militares, na ambição e vaidade desmedidas de muitos de seus comandantes no campo da luta e, ainda, no vil preconceito protagonizado pela grande maioria de seus efetivos. É que comandantes e comandados destilaram, sem zelos, as suas raivosas discriminações, tanto em relação à região em que desastradamente atuaram e, com semelhante intensidade, quanto ao tratamento dispensado aos combatentes conselheiristas, como de resto aos demais sertanejos com os quais se debateram.

No que pese toda a arrogância e o exagerado otimismo com que as tropas partiram da Capital Federal (Rio de Janeiro) e de outras capitais da recém-fundada “República da Espada” (no sertão operaram efetivos militares de dezessete estados brasileiros!), foram necessárias quatro expedições e quase onze meses para a conquista definitiva da cidadela sagrada de Canudos, expedições que, apesar de melhor municiadas e contando com maior número de contendores em relação aos guerreiros sertanejos, acumularam desesperadoras e vergonhosas derrotas, que causaram espanto e desmesurado ódio no seio das elites políticas, religiosas, econômicas e, especialmente, militares. Aliás, vale ressaltar que – como muito se disse quando da grave contenda – no sertão da Bahia esteve presente a chamada “fina flor” do Exército Republicano Brasileiro: seus muitos coronéis, alguns generais e até o então Ministro da Guerra, o Marechal Carlos Machado Bittencourt.

Muitos foram os fatos e circunstâncias que comprovaram esta negativa investida armada contra o solidário e populoso arraial (aproximadamente trinta mil pessoas!), plantado às margens do histórico rio Vaza Barris, que provia a comunidade de Antônio Conselheiro, este andarilho incansável, o fervoroso peregrino que, tendo padecido sofrimentos no sertão do Ceará - onde nasceu em 1830 e batizado Antônio Vicente Mendes Maciel - percorreu os ínvios caminhos nordestinos, quando distribuiu conselhos, ajuntou o povo pobre para rezar, pregou a doutrina católica, cavou poços e cacimbas, alevantou muros de cemitérios e construiu igrejas. Passado o tempo das andanças, fincou o seu gasto cajado no sertão da Bahia, em terras da antiga e abandonada Fazenda Canudos, aí fundando, em junho de 1893, o seu “Império do Belo Monte”, já acompanhado de fiel e numeroso séquito.

As duas primeiras expedições sequer vislumbraram as torres da Igreja Nova do Belo Monte. A primeira, comandada pelo Tenente Manoel Pires Ferreira e com um efetivo de 104 praças, tendo partido da cidade de Juazeiro, após empreender longa e sofrida viagem pela catinga intransitável, quando acantonada na Vila de Uauá, portanto ainda distante do seu alvo principal, enfrentou, em novembro de 1896, renhida batalha com os combatentes conselheiristas, os quais ali chegaram entoando cânticos religiosos, portando cruzes, imagens, algumas armas de caça, machados e cacetes, sob o comando austero de João Abade, o então Chefe da Guarda Católica Conselheirista, filho da cidade de Tucano. Segundo o relato do próprio comandante expedicionário, Tenente Pires Ferreira, os conselheiristas “vieram para guerra como poderiam ter vindo para alguma procissão ou ato religioso”. Apesar das consideráveis perdas verificadas no lado conselheirista, talvez em razão da perda de seus dois guias e do surto repentino que teria acometido ao único médico da expedição momentaneamente desbaratada, somando-se a isso certamente a rudeza do solo e o clima abrasante, o citado comandante reuniu sua tropa assustada e ordenou a retirada, retornando, constrangido, ao seu local de origem.

                                              

                                               (Registro - R. Dantas)

A segunda expedição, organizada imediatamente após o fracasso da primeira, partindo de Queimadas e acantonando brevemente em Monte Santo (ambas as vilas se tornaram, naqueles dias conturbados, as bases primaciais das forças militares em operação no sertão baiano), recebeu o comando não mais de um oficial Tenente, mas de um Major, o militar Febrônio de Brito. Com um efetivo triplicado, padeceu dois virulentos ataques dos conselheiristas: o primeiro, na Serra do Cambaio; e o segundo, na antiga Lagoa do Cipó, que depois do sangrento embate, passaria a ser chamada de Lagoa do Sangue. Tal foi a carnificina vivenciada nas referidas batalhas e, sobretudo, a excelência da tática dos sertanejos em luta, ensejada nos movimentos intermitentes de “fustigamento à tropa”, que o resultado configurou igualmente desastroso para a expedição. Destes dias de janeiro de 1897 jamais o Major Febrônio de Brito esqueceria enquanto vivo permaneceu, já que, razão de sua inaceitável retirada da contenda, e tal como o Tenente Pires Ferreira sem sequer cumprir com o seu objetivo de atacar Canudos, aquele graduado oficial foi duramente criticado, recebendo a alcunha nada honrosa de “Major Fujão”. Para ilustrar o fato, o próprio Major Febrônio, em seu relato de combate, atestara ter dizimado 600 conselheiristas e apenas perdido dez de seus briosos soldados! Números certamente incompreensíveis para o crédito de seus indignados superiores! Então, quais razões embasaram a decisão de retirada?

Somente a “invencível”, numerosa e tão ovacionada terceira expedição militar alcançaria, pela primeira vez, as cercanias do arraial resistente e até dominaria, durante algumas horas, mas sob cerrado fogo e de forma açodada, alguns de seus periféricos barracos. Tal fora a revolta na Caserna e a indignação de quase toda a sociedade, insuflada pelos jornais e provocada pelos políticos mais radicais em face da derrota de Febrônio, que coube ao renomado e fanático militar florianista, o Coronel Antônio Moreira Cesar, alcunhado “Corta-Pescoço”, o comando dos quase 1.200 efetivos da tropa. Os sertanejos testemunhariam a empáfia e o destempero deste oficial da Arma da Infantaria, engenheiro militar, que vociferava em todos os passos de sua longa caminhada de Salvador até os inóspitos rincões sertanejos de que “traria a cabeça do Conselheiro para exposição nas ruas da Capital Federal” e que “tão somente receava que o beato transgressor, ao saber de sua presença no sertão para combatê-lo, evadisse amedrontado antes mesmo de sua chegada em Canudos”.

Triste, entretanto, seria o destino deste compulsivo militar. Atingido gravemente nos arredores da cidadela conselheirista, logo no início de sua inadequada e apressada investida, expiraria numa pobre cabana sertaneja, na fria madrugada do mês de março de 1897. Contribuíram, provavelmente, para a capitulação precoce da expedição o cansaço da tropa – havia empreendido exaustiva marcha e, por isso, carecia de descanso e rancho - e a incompetência de não ter sido feito, como se deveria, o anterior reconhecimento do terreno em que operaria. A rota fora a maior cumprida das expedições já enviadas: Queimadas, Monte Santo, Cumbe (hoje, cidade de Euclides da Cunha), Rosário, Umburanas e Canudos. A dupla notícia da derrota da celebrada expedição, mas, sobretudo, da morte de seu laureado comandante na inditosa refrega, causou verdadeira comoção nacional. Vários tumultos, quebra-quebras, empastelamento de jornais reconhecidos monarquistas e até o assassinato de um renomado jornalista nas ruas do Rio de Janeiro, Gentil de Castro, agitaram violentamente o país. Dizia-se à viva voz: “República em perigo!”.



                                                   (Registro - R. Dantas)


Imediatamente formou-se a quarta expedição militar a ser enviada para Canudos. Com os seus preparativos iniciados desde o mês de abril, somente em junho de 1897 a expedição chegaria, com alguns percalços, nos arredores de Canudos, mais precisamente no Alto da Favela ou Morro do Barro Vermelho. Configurou-se no maior ajuntamento de efetivos para uma guerra – bom lembrar, endógena! – na história militar da nação brasileira. Esta grandiosa expedição foi, para sorte de seus componentes e para o futuro do governo brasileiro, dividida em duas grandes colunas, compostas cada qual com três batalhões, a saber: à primeira coluna, que marchou de Queimadas e Monte Santo até Canudos, coube o comando do General Silva Barbosa; a segunda, que partiu de Aracaju e São Cristóvão, no vizinho estado de Sergipe, tendo chegado, via Jeremoabo, a Canudos, teve como comandante o General Claudio do Amaral Savaget. O comandante-em-chefe de todo o efetivo foi o General Artur Oscar Guimarães, oficial de extensa ficha no Exército.

Além de padecer os frequentes fustigamentos dos guerreiros de Conselheiro, da mesma forma a carência de água e as atribulações do clima abrasante em solo desconhecido e rudemente esturricado, a expedição, atraída inteligentemente pelos sertanejos para o referido morro, neste sofreria as piores agruras de seu tortuoso itinerário, já que tendo a sua “cauda” apartada dos corpos principais da tropa, portanto burramente desprotegida, sofreria o assalto ao seu comboio (munições de guerra e de boca) no Vale das Umburanas, localidade próxima ao Alto da Favela. Não fosse a outra rota escolhida pela segunda coluna (Sergipe/Bahia), certamente incerto teria sido o destino do imenso efetivo militar, vendo-se, como afinal de deu, sufocado, sem armas, água e alimentos, pelos conselheiristas. A segunda coluna, que também enfrentou duras escaramuças na Serra do Cocorobó e nas localidades de Macambira e Trabubu, sítios próximos ao arraial de Canudos, salvaria dramaticamente a primeira.

No entanto, conforme foi dito acima, apenas num sombrio entardecer de outubro dar-se-ia o trágico final dessa guerra fratricida, sendo, portanto, necessários quase quatro meses de ataques mal conduzidos e de vergonhosos recuos, de muitas perdas e sofrimentos inomináveis, para a conquista definitiva do arraial sertanejo. Metralhadoras, balas de canhões e até de querosene, granadas, fuzis, facas e facões, enfim, a todo armamento disponível se recorreu, desesperadamente, para o alcance do objetivo político-militar de se destruir a “Tróia de Barro”. Porém, o pior dos crimes ainda seria cometido pelos efetivos militares, absurdamente quando rendidos e já feitos prisioneiros os conselheiristas: a covarde “gravata vermelha”, ou seja, o vil degolamento! Feito o acordo da rendição entre as partes beligerantes, um código de guerra foi gravemente desrespeitado, quebrado criminosamente pelos comandantes das forças militares. Premido pelo seu sentimento de revolta, o jovem acadêmico de medicina, Alvim Martins Horcades, que ao teatro da guerra voluntariamente se apresentara com o valoroso objetivo de atender aos inúmeros feridos, deixou, em seu livro “Descrição de uma viagem a Canudos”, poucos anos após o grande conflito, o seu corajoso depoimento: “Em Canudos foram degolados quase todos os prisioneiros”!



                                                (Registro - R. Dantas)

Homens estropiados, velhos incapazes e doentes, mulheres esquálidas e até inocentes crianças foram covardemente degolados. Algumas poucas mulheres foram preservadas, mas sendo algumas seviciadas e outras obrigatoriamente tornadas prostitutas, levadas para a cidade de Alagoinhas. Os relatos produzidos pelos membros do Comitê Patriótico da Bahia, cujo líder maior foi Lélis Piedade, são dramáticos quanto ao estado deplorável dessas sertanejas na referenciada municipalidade. Crianças – pejorativamente alcunhadas pelos militares de “jaguncinhos” – foram arrancadas dos seios de suas desesperadas mães, cujos pais pereceram lutando, e levadas por alguns militares como se fossem “brindes” pela vitória finalmente alcançada! Eis a dita “civilidade” dos sulistas republicanos!

Canudos pereceu no entardecer do dia 05 de outubro de 1897. Sem dúvida, representou e ainda muito representa enquanto maior movimento popular da história social brasileira.

Roberto Dantas




quarta-feira, 22 de outubro de 2014

POEMA "PULSAÇÕES"

















Vivencio sonhos seráficos,
prazerosamente angelicais.
Fujo dos modos estáticos
das convenções banais.

Subverto a ordem rígida,
serenamente e sem receio.
Vida é para ser repartida
em partes ou ao meio.

Há de se ter mudanças,
muitos dizeres, novos ares.
Imperativas as andanças
pelos chãos e pelos mares.

Inteligente a boa escuta,
o primado do bom sentido.
Sábio o que da labuta
amadurece o que tem sido.

Vida de rotinas e mutações,
velhos e novos os caminhos.
E no compasso das pulsações
livre buscar os carinhos.

Poesias que dizem segredos,
caras e bocas em sincronia.
Dissipados todos os medos
acolhe-se, feliz, a harmonia.

R. Dantas



domingo, 19 de outubro de 2014

HOMENAGEM AO MESTRE CAVACHÃO DE UAUÁ

LANÇAMENTO DE LIVRO, RECITAL DE CORDEL, CANTORIA E MUITO FORRÓ
ESPAÇO CULTURAL TOQUE DE ZABUMBA - DATA: 02/11/14 - 13hs - UAUÁ



MESTRE CAVACHÃO







Antônio Sabino Marques, Mestre Cavachão, nascido na histórica Vila de Uauá, local onde o guerreiro conselheirista, João Abade, secundado por fervorosos seguidores do peregrino Antônio Conselheiro, combateu, nos idos de 1896, as tropas militares republicanas enviadas ao sertão baiano com o objetivo  -  nesta refrega não alcançado!  -  de massacrar à solidária e resistente cidadela do Belo Monte, que ficaria, entretanto, mais conhecida como Arraial de Canudos.

Compositor e reconhecido como uma das mais fluentes e adoráveis vozes do sertão baiano, Mestre Cavachão sempre cantou e respeitosamente reverenciou a sua querida "Terra dos Pirilampos", recanto inegavelmente acolhedor e privilegiado das expressões da cultura popular sertaneja.




Cavachão que também é Sabiá, tendo sido dessa forma carinhosamente alcunhado quando formou dupla de sucesso com o sambista Riachão, encantou com a sua inseparável alegria as noites e os diversos furdunços musicais da menos histórica capital soteropolitana, portanto o solo poético de Castro Alves e Dorival Caymmi da Salvador de Todos os Santos.

Salve Cavachão! Salve a cultura popular do sertão!




quarta-feira, 15 de outubro de 2014

VIAGEM DOS SENTIDOS...

















Meu peito como se ungido,
trêfego, e o olhar ferido
na busca de outro com dó.
Nó desse elo partido
que me faz caminhar só.

Quero o jeito do ser ingente,
o corpo sintonia da mente,
mas nada vem sem dor.
Um beijo a saliva sente.
Um abraço já fica melhor.

Parto sem medo, indene,
pois nada é mesmo perene
nessa estadia passageira.
Ente do mar, sigo o leme
sobre a onda derradeira.

Meu pranto logo escorre,
face em que o riso morre
no ir e vir da maré.
Absorto, meio de porre,
percebo o que o mundo é.

Volto à boca e aos braços,
desenho todos os traços
dessa singular viagem.
Os vestígios dos abraços
renovam minha coragem.

Os ventos dizem meu rumo,
e não há qualquer aprumo
que me pare ou me prenda.
Canção, gole e fumo
e logo escapo pela fenda...

Trago sons dissonantes
e a sede dos amantes
que navegam sem parada.
Os amores são constantes.
A palavra é versejada.

Tão junto e tão sozinho,
tanta rosa e tanto espinho
presentes sem nenhum zelo.
A surpresa pelo caminho.
A alegria e o desmantelo.

Passo tensas tempestades
e sofro com as vaidades
que maculam a vivência.
No trânsito das idades
exercito a paciência.

Pouco fica e tudo passa:
um dengo que se faça;
uma saudade que insiste.
E o coração só disfarça
o desejo que já é triste.

Assim vagueio pelos mares,
navegando  os meus estares
sem controle, nem calmaria.
Perco-me com os olhares

que suscitam a poesia.

R. Dantas

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

POEMA "APENAS SER"


 













Sigo perscrutando o espaço
em que seja doce o alimento
e sincero o calor do abraço,
sem zelo, sem medo: sedento.
Não há regras para o amor,
nem coragem sem destemor.
E a dor que surge e entristece
ensina o que a vida tece
sob os desígnios das paixões.

Ah! O vil desejo das ilusões
de ser feliz a qualquer preço
trás o fim sem um começo,
sob descontroles e compulsões.
Jamais ignorar a poesia
que sendo a voz da maestria
rege o silêncio dos corações.

Melhor do que o fácil dizer,
ou interpretar sem sequer ler,
é bem pensar e livre sentir.
Escutar, crer e repartir,
imune ao torpe preconceito.
Respirar e pulsar no peito

o sentido de apenas ser!

R. Dantas