segunda-feira, 28 de maio de 2018

TRADUÇÃO













Persegue o homem, sob um cotidiano adverso, a tão sonhada paz interior. Cativo dos próprios sentidos e fustigado pelas banais incompreensões, perturba-se, angustiado, com o jogo ardiloso das acusações, filhas insensatas dos insidiosos ressentimentos.

Percebe o homem, neste insano desequilíbrio, as máculas que não se desmancham, as defesas e os absurdos promanados dos egos em lastimáveis excitações e com os quais necessita compartilhar. Tudo se diz e quase nada se escuta. Vestígios de corações permeados de insensatez, corações onde não cabem a serenidade e o indispensável desprendimento e com os quais o homem se depara e, em holocausto, oferece o seu.

As relações doentias, fundadas, sem prévio cuidado, nas disputas deletérias, em sua maioria descartáveis, conduzem os mais sublimes desejos para um abismo de difícil resgate. Teias de orgulhos e de cobranças que subvertem, sem zelos, os destinos anteriormente traçados. Quando o EU é o escudo e o olhar é tão somente para o umbigo, revela-se uma cega, agressiva e quase sempre injusta defesa. Conseqüentemente, distancia-se da razão.

Carente das sensibilidades, impaciente criatura a perscrutar os mais díspares e misteriosos amores, peleja o homem pelos meandros perigosos das afetividades, pontuados de surpresas, castigos e gozos, num interminável aprendizado de vida.
Qual ente em desatino perde-se em meio às armadilhas já concebidas, porque transeunte contumaz dos labirintos sedutores do querer. Pois que aí se confundem e se completam, num ir e vir turbulento, o vício desditoso e os prazeres incomensuráveis. Incrível que algo de belo e comovente, como se inadiável fosse, é sempre vivenciado.

O mel e o fel das efêmeras paixões circulam sobre órbita desprotegida em permanente transe. Nada que muito convença e tudo que pouco permanece. Compasso de longa espera e pulsos de frenética batida. Algo se aglutina ou se exclui num caminhar sem garantias de continuidade. Companheira freqüente apenas a contradição! Será o alimento?

Portanto, no instável transitar da vida, perseguirá o homem a paz ansiada e o equilíbrio merecido, mas sempre um homem conscientemente vulnerável, há um tempo rude e sensível, devotado aos clamores mais intestinos, pois que servo das emoções, espelho dos olhares e porque imprevisível nas reações. Homem que tanto anseia a calmaria e cuja necessidade é mesmo o movimento.

Roberto Dantas
FACE: Bob Dantas


sábado, 19 de maio de 2018

OUTRAS VEREDAS



 














Do amor fatiei um bocado
para florir este rude chão.
Tal como faz o coração
que, terno, pulsa compassado,
pulsei para compor a canção.

O nosso ninho nesse sertão
é ornado por serras e lajedos.
Tal como os doces e os azedos
que, sublimes, ensejam a paixão,
provei para espargir os medos.

Não há como livrar-se da poesia
para subverter aos vis desatinos.
Tal como os choros dos meninos
que, dengosos, viram arrelia,
arreliei ao modo dos viperinos.

Vulneráveis os anseios libertinos
jungidos aos poros embriagados.
Tal como os abandonos dos relegados
que, tristes, perdem seus tinos,
perdi-me pelos desejos abrasados.

Mas os tons aqui harmonizados
anunciam as querenças do amor.
Tal como nos versos sem dor
que, livres, são declamados,
esvurmei, só, a mácula da cor.

Assim enveredo sob surpresas
atadas a cada novo palmilhar.
Tal como o brilho de um olhar
que, sincero, mantém acesas
as aventuras do meu caminhar.

R.Dantas

VERTIGEM














Súbita vertigem, nós do querer,
laivos prementes da ansiedade.
Subvertida a lógica da idade,
conspurcados os atos de prazer.

Verbos nem sempre conjugados,
receios dos desejos intestinos.
Camuflados dizeres caninos,
visíveis liames subjugados.

Tons de acordes dissonantes,
cordas partidas sob pressão.
Quase sempre o temor do não,
fugas e sombras delirantes.

Não há mais vozes, há gritos,
rancores de uma fala insana.
Verborreia que rude profana
aos sentidos, gestos e ritos.

Assim fenece uma poesia,
assim se cala uma canção.
Assim se borra uma grafia,
assim perece um coração.

R.Dantas


LIVRES TRILHAS















Mirei o vôo errante da gaivota.
A trilha o meu instinto conduzirá.
Sem açoites, o vento me apontará
o rumo desconhecido dessa rota.
Não há pressa e não há desatino!
Mas um sonho, lívido, me guiará.
Alimento meu espírito de menino!

Carência de bem sentir este chão.
De desnudar os pés sobre a terra.
Feito uma rés que solitária erra
sem atinar qual será a direção.
Não há medo e não há correria!
Mas a visão de uma bela serra.
Trilhar já me é boa serventia!

Sigo na contramão do estipulado.
Desregramento da convenção social.
Para muito além do que seja trivial
farejar a natureza do outro lado.
Não há ódio e não há destemperanças!
Mas o desejo do que seja natural.
Sem receios, acolher as esperanças!

Passos, assim, prenhes de desafios.
Trilhas sem tantas regras a perseguir.
Jamais abrir mão desse ir e vir
garimpando pelas margens dos rios.
Não há dúvidas e não há ditames!
Mas o anseio de decidido partir.
Pular cercas sem temer aos arames!

R.Dantas




EXPURGO













Sair das teias revigorado,
desatar os nós corrompidos.
Sem receios dos tempos idos
apartar o ódio do carinho.
Ser da luz o abençoado.
Para todo passo dado
um novo e livre caminho.

Do mal gratuito desmembrado,
sorver o calor dos abraços.
Sem perder linhas e traços
edificar o seu terno ninho.
Ser da lua o namorado.
Para todo o passo dado
um novo e livre caminho.

À raiz manter-se atado,
preservar frutos e flores.
Sem medos dos dissabores
podar do caule o espinho.
Ser um tronco bem fincado.
Para todo o passo dado
um novo e livre caminho.

Dos olhos nus o contemplado,
cambiar sabores e sorrisos.
Sem regras e sem avisos
dar o beijo e beber do vinho.
Ser o sonho bem sonhado.
Para todo o passo dado
Um novo e livre caminho.

Nas águas ter navegado,
cachoeiras, lagos e rios.
Sem temer aos desvarios
purgar o caldo do moinho.
Ser um ente antenado.
Para todo o passo dado
Um novo e livre caminho.

R.Dantas