domingo, 22 de abril de 2018

REATIVO



Versejadas foram as breves frases,
fustigantes, diretas, quase nuas,
como se fossem ninhos querenciados,
tais os que nasci sem miséria ou luxo.
Hoje, pululando em inseguras bases,
transito, silente e solitário, pelas ruas,
pelejando por caminhos arriscados
sob um vai e vem; fluxo e refluxo!

O imediato da surpresa sempre ensina,
intrigante, ardiloso, quase intempestivo,
como se fosse um relâmpago inesperado,
tal o rebento consequente do trovão.
Não mais me conduzo vítima da sina,
sigo, indolente e calmo, mas reativo,
peregrinando como um ente herdado
sob artimanhas de uma viva paixão.

Versos, poesia, cantos, cantoria,
sedutores, sutis, quase inadiáveis,
como se fossem os carentes alimentos,
tais os suores prazerosos dos atos.
Hoje, adornando mais a fantasia,
incito, crente e cordato, os miáveis,
encorajando os seus afloramentos
sob uma algazarra de desacatos.

Eis, então, a promissora caminhada,
provedora-mor das ansiadas auroras,
como se fosse a imperativa oração,
tal o batismo para testas devotas.
Não mais derivo à beira da estrada,
conto, premente e sereno, as horas,
acarinhando o pulsar do coração
sob as mais impensáveis anedotas.

R. Dantas



REDESCOBRIR OS CAMINHOS



O ano era o de 1500. A data: 22 de abril. Portanto, são 518 anos que nos apartam do dito “descobrimento”. Confirmando, obviamente, suspeitas tanto provenientes de anteriores abordagens marítimas, quanto resultantes dos frequentes estudos náuticos, suspeitas atreladas, concomitantemente, às suas já reais dificuldades alusivas ao comércio das especiarias então encetado com as índias orientais, os portugueses aportaram nas terras do até, aquele momento, pouco imaginado imenso Brasil. Substituindo a uma relação, no início, enganosamente amistosa, logo se impôs outra fundamentada na vil escravização da gente do lugar – aos numerosos agrupamentos indígenas -; na imposição de um credo dominador – o católico -; na gananciosa exploração da natureza – a devastação das matas para a coleta do pau de tinta -; e no estabelecimento de uma forma autoritária de poder – a monárquico-hereditária. Os produtos? Ah! Previsíveis: escravidão e desrespeito às mais icônicas e sagradas expressividades da cultura e da religiosidade daquela gente encontrada e a transposição de um modo já historicamente corrompido do fazer político. Enfim, haveres, saberes, ambições, repressões, ódios, genocídio, exclusões e práticas até aquele “encontro” impensáveis nestas terras atlânticas.

Dentre outros não menos importantes desejos, o preâmbulo histórico acima rememorado tem como objetivo primacial não somente relembrar as injustiças e calamidades aqui protagonizadas, no alvorecer do século XVI, pelo dominador europeu. Mas, certamente, considerando os dias conturbados que hoje se sucedem, razão do quadro político-social igualmente impensável há poucos anos atrás, proceder-se a um chamamento e a uma inteligente reação!

Há de se refletir sobre por quais mentes e mãos, falas e escritos, atos e contra-atos, este processo de deterioração política, nos últimos anos, ganhou forma e se estabeleceu. Ou seja, quais foram e quais são os atores protagonistas – sejam os afiliados da vasta, diferenciada e incongruente composição partidária e os das mais insanas claques políticas; sejam os seus ativos comparsas alocados nos mais inescrupulosos agrupamentos empresariais - desse absurdo teatro de horrores? Quais foram e quais são os atores coadjuvantes, estes irmanados com os primeiros do “grande” elenco apenas por interesses mesquinhos e por falsas moralidades, sinalizando, no entanto, serem muito mais co-atores míopes ou perdidamente alienados! E quem, de fato, compõe a imensa e, talvez, vitimada platéia que, até o presente momento, no que pese a gravidade do “espetáculo”, ainda não se expressou a contento!

Feitas as devidas e prementes reflexões, amainadas as paixões deletérias, descartados os insanos radicalismos, desprezados os ódios e os reles patrulhamentos, sobretudo sem quaisquer subversões à ordem democrática que necessariamente embasa o tão desejado e, às vezes, pouco concebido Estado de Direito, há de se buscar, através do livre e freqüente diálogo, os imperativos entendimentos, resgatando-se o debate político, a necessária e competente representatividade parlamentar, jogando-se, sem subterfúgios e com transparência, o jogo naturalmente democrático da política, criando-se, por conseguinte, os cenários pertinentes, ocupando-se os palcos legítimos (que não são necessariamente os Judiciários!), nos quais, tanto a política quanto a democracia sejam, portanto, os reais protagonistas. As ruas também podem e devem ser, considerados seus naturais direitos reivindicatórios, imprescindíveis espaços para as mais livres expressividades! Os embates são de idéias e em prol dos entendimentos!

Enfim, conscientes e atuantes, os brasileiros não podem agora abrir mão da sua interação com a preocupante realidade. E, para tão breve, com aquela consciência e com os seus atos independentes, não podem vacilar com o valioso instrumento - certamente inegociável! - do voto. E eis que já tão próximo está o pleito eleitoral!

Roberto Dantas
Historiador/Documentarista

quarta-feira, 18 de abril de 2018


MINÚSCULO

Solitário, pensei no mote dos versos
que humildemente queria rabiscar.
Apartando-me dos elos perversos,
das ânsias e dos zelos adversos,
desenhei no papel uma flor singular.

Das pétalas frágeis, pois quebradiças,
extraí um não sei o quê de nostalgia.
Isolando-me das vãs e vis cobiças,
das injúrias que geram injustiças,
expurguei da pena qualquer vilania.

Preencheram, leves, meus pensamentos
a correnteza do rio e o nédio crepúsculo.
Recebi, absorto, os gratos emolumentos.
E tal quando se afinam os instrumentos,
compus, silencioso, o poema minúsculo.

Palavras, sei, às vezes logo perdidas,
ou nem sempre fielmente escutadas.
Das digressões rudes e entorpecidas,
ou das escritas vulgarmente paridas,
emanam as pobres leituras algemadas.

Mas em mim ejaculam-se os sentidos,
espargidos, nus, da cara honestidade.
Daí o rabisco da flor da humildade
em forma de poucos versos cingidos
pela ternura e pela mais digna vontade!

Nas noites frias recolho as mensagens
das mil estrelas, da lua e da calmaria.
Lembro as mais intrigantes paisagens,
parceiras das minhas iteradas viagens
em que enriqueço toda a caligrafia.

Há a face tão docemente observada
e os toques para uma divinal carícia.
Pelo íntimo das vestes é contemplada
a musa aqui carinhosamente versada
sob os mimos da conduta pudicícia.

Os desejos de uma harmônica troca
induzem ao procedimento reservado.
Aos olhares uma ternura se evoca
e no abraço o calor bem provoca
a concessão do sentido desvelado.

E a flor então se ergue fortalecida
ilibada das máculas mal curadas.
Do próprio perfume é embevecida,
inebriando quando sutil é despida
em meio as ânsias estimuladas.

Que seja, assim, o desvelar desse ato,
um ímã à mais sublime sensibilidade.
Talvez outro possa ser o desiderato
para acolher ao real ou até ao boato.
A minha nem sempre é a pura verdade!

R.Dantas