segunda-feira, 27 de abril de 2015

BREVES REFLEXÕES SOBRE OS JUNHOS BAIANOS




















PÍFAROS / UAUÁ - BAHIA (2014)


Tenho acompanhado, nos últimos anos, as ações e os discursos envidados especialmente pelos representantes da Secretaria do Turismo do Estado da Bahia e, do mesmo modo, por outros gestores vinculados à esfera administrativa do governo, atinentes a sua atuação e aos objetivos no que respeita ao dito “resgate e revitalização dos festejos juninos na Bahia”. Ações e discursos que preocupam, pois que, no meu humilde entendimento, resultantes de uma política institucional equivocada, mais particularmente para o sertão da Bahia, recanto privilegiado das mais expressivas manifestações culturais populares. Quem conhece o sertão, a sua rica cultura e fervorosa religiosidade, bem sabe do grande significado do mês de junho para o sertanejo. Bom ressaltar que não apenas o Santo das fogueiras é celebrado, mas, igualmente, reverenciados são os Santos Antônio e Pedro!

Em primeiro lugar, penso que “resgate” (termo tantas vezes utilizado pelos representantes do referido órgão) não seja a mais apropriada expressão para tratar o assunto. Em segundo, tem se resgatado exatamente o quê? O forró de raiz gonzaguiana e do qual tivemos o saudoso Dominguinhos como qualificado e resistente propagador? Não, pois o que mais incomoda e atemoriza, razão do que já se testemunhou em algumas cidades, é a invasão de estilos e ritmos, priorizados e pomposamente financiados pelo dinheiro público, que nada traduzem ou contribuem para a justa valorização e a conseqüente visibilidade das genuínas expressões da cultura popular atrelada aos ditos festejos.

Sem critérios pertinentes ou mínima identidade no que concerne ao tema dos festejos juninos, os espaços e palcos têm sido ocupados pelos grupos e “estrelas” dos axés, pagodes, arrochas e dos “pseudo-forrós” – bandas de qualidades musicais tão duvidosas, quanto, também, descartáveis pelos apelos sexuais exibidos sob uma parafernália de sons e luzes! -, de forma agressiva porque majoritária, e que percebem os melhores cachês, resultando a inaceitável e revoltante exclusão dos cantadores e compositores sertanejos, dos sanfoneiros, dos tocadores de pé-de-bode e de pífaros, dos zabumbeiros, das quadrilhas juninas, etc.! Contraditoriamente, estes últimos que deveriam ser os mais solicitados e valorizados, quando contratados, a eles são reservados os horários de menor ocorrência de público e dedicados os mais reles pagamentos pelos seus qualificados trabalhos. Ou seja, tem havido uma injusta inversão de valores! Reflexão: alguma “coincidência” com o longo histórico das contratações e com as famosas “grades” da programação oficial do grande entrudo soteropolitano de fevereiro?

Recentemente, apenas para citar um exemplo, causou-me indignação o desabafo de um grande mestre cantador da cultura popular sertaneja que, triste e revoltado, assim traduziu a sua desdita: “tive pouco tempo para tocar meu professor! Me apresentei acuado entre bandas!”. Inteligente trocadilho (o grifo é para ressaltar mesmo!) que claramente traduz as contradições aqui apresentadas e que carecem, efetivamente, de imediata reação. Como se fosse um “enchimento de lingüiça”, assim se sentiu o compositor e cantador do sertão, o querido Mestre Cavachão de Uauá, quando de sua apresentação “the flash” em sua própria cidade! Eis a preocupante realidade: entre as suntuosas apresentações das bandas “famosas” - cujos dançarinos mais encenam exercícios aeróbicos, coreografias sexuais dispensáveis e malabarismos circenses de mau gosto e cujos cantores mais gritam desafinados do que propriamente cantam -, timidamente e sob inaceitáveis pressões se apresentam os cantadores e músicos do cancioneiro popular sertanejo.

Tenho plena consciência de que a cultura é dinâmica, plural, naturalmente renovadora nos seus passos e inovadora nas suas criações, que jovens artistas e suas produções rítmicas diferenciadas surjam e, conseqüentemente, enriqueçam o cenário cultural, considerando-se, inclusive, a propalada, porém pouco entendida e pouco respeitada, diversidade cultural baiana. Mais aceitável ainda que o “dito moderno” conviva com o “dito tradicional”. Cultura sempre foi e será movimento! Mas há de se ter cuidado, critério e, sobretudo, respeito com a cultura popular e com os seus qualificados e resistentes artistas! Novas reflexões: desde quando “madeirada”, “sobe e desce mainha”, “chicletes”, “sofrências” e demais expressões musicais dessa natureza integram a cultura junina? E o que está por trás dessa mesmíssima parafernália sonora ao invadir o São João da Bahia nos seus recantos mais festivos e tradicionais?

Portanto, a infeliz conjunção do desconhecimento e desrespeito pelas tradições culturais com a demagogia que esconde ambiciosos e oportunistas interesses imediatistas, tanto dos setores privados (inclua-se, aqui, boa parte dos poderosos canais midiáticos), quanto de algumas autoridades públicas então constituídas, têm, na real, contribuído para este quadro inaceitável que hoje se pinta nos junhos baianos.


Roberto Dantas
Historiador/Documentarista

Blog: www.robertodantassertao.blogspot.com

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