segunda-feira, 13 de abril de 2015

BELO E BREVE SONHO - O CONTO














Pelos atalhos sinuosos da caatinga, sob inclemente sol e palmilhando o solo esturricado, meus pés, calejados, sinalizaram-me a derradeira hora de empacar. Não mais suportavam um único passo. Como se dádiva dos céus, a curta distância eu mirei uma esquálida barriguda que, apesar de seu estado quase terminal, serviu-me de alento, concedendo-me, portanto, a sombra ansiada, pois que árvore frondosa. E tudo sob o domínio dum silêncio sepulcral. Sorte que o entardecer já pintava, mesmo que timidamente, a sua bela e inigualável cor âmbar sobre o traço imaginário do horizonte, o que naturalmente amenizava aquela quentura. Já sentado e buscando a harmonia da respiração, pus na minha garganta ressecada os últimos goles da água morna que restava no meu gasto cantil. E exausto, literalmente mergulhei num sono profundo. Deu-se o sonho.

Ei-lo!

Cheio estava o açude como não testemunhava fazia bastante tempo naquelas belíssimas paragens catingueiras. Amanhecia e relativamente próximo de onde eu me encontrava refestelado, só e embevecido pela aurora acolhedora, vi dois velhos pescadores ancorando lentamente a sua canoa do outro lado da margem e da tosca embarcação logo retiraram, com considerável sacrifício, a parca pescaria auferida na madrugada, mas de inegável serventia para o novo dia que se anunciava: quatro tilápias e dois tucunarés, os quais foram, com justiça, ali mesmo divididos. Recolhidos os remos e os poucos apetrechos, apertaram suas mãos e penetraram, silenciosamente, na caatinga. Seus pobres lares o destino.

No exato momento em que os homens desapareciam, vislumbrei uma silhueta admirável, saída de não sei onde e que, a passos lépidos, cada vez mais rapidamente de mim se aproximava. Franzi a testa e apertei meus olhos. De imediato percebi a beleza de seus cabelos esvoaçantes que pareciam dançar ao leve e compassado ritmo ditado bela brisa que ali a tudo poeticamente refrescava, ensejando a serenidade da vida nas plagas do meu adorável sertão. Descompassado tão somente o meu coração.

Meus olhos lacrimejavam e, quando ensaiei levantar-me para interceptar aquela linda criatura parida possivelmente das águas do açude, ou talvez das poucas e tão brancas nuvens que emolduravam o azul celeste do deslumbrante céu sertanejo, fui por ela arrastado para o ar, para as alturas, para aquelas nuvens sedutoras, que me lembravam cortinas de neve a roçar a minha pele sedenta de carícias. E como dois pássaros - carinhosamente ajuntados por uma energia jamais por mim experimentada – nós dois, mãos dadas, sobrevoamos todo o açude, num vôo extraordinário, mágico, contemplativo.

O percurso envidado do açude para a Serra do Piquaraçá de Monte Santo, para o majestoso Santuário da Santa Cruz, deu-se num diminuto tempo apenas necessário para três leves piscados em nossos olhares ternamente entretidos. A bucólica capela de seu topo, ornamentada de rosas brancas e vermelhas e docemente perfumada de alecrins, estava como se cuidadosamente preparada para o nosso feliz pouso. Não havia ninguém a nossa espera. Mas uma melodia suave ecoava do recôndito da histórica edificação, entoada, com maestria, por cítara afinadíssima. Ali, à frente daquele rude e singelo altar, pousamos nossos joelhos sobre o chão frio de pedra polida, alteamos nossos olhares e uma luz indecifrável, ao modo de uma auréola gigantesca a parir luminosidade sobre nossas cabeças, emanada das frestas das telhas do humilde templo, banhou todo o ambiente, ao tempo em que a ventania anunciava a chegada, lá fora, dos amigos espirituais.

Revi, fascinado, as faces felizes dos meus entes queridos. Embriaguei-me com os seus olhares festivos. Senti seus abraços revitalizadores. Respirei um ar puro como jamais havia respirado. E a melodia, aos poucos, me embalou para um sono reconfortante. Já totalmente absorvido, sonhei que finalmente a minha deusa soberana, a minha parceira imaginada, a musa idealizada dos meus pobres poemas, a mulher apaixonante e apaixonada da minha efêmera e atribulada existência, ali, exalando novo e inebriante perfume, sutilmente aparecia e, com ternura em seus olhos cor de amêndoa, acolhia-me e transportava-me, sorridente, para o mundo desconhecido. 

Meu espírito revitalizado, de volta à terra, despertou cuidadosamente o meu corpo! Senti-me forte para a imperativa retomada da minha longa caminhada pelos ínvios atalhos sertanejos!

R. Dantas
Abril/15


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