PÍFAROS / UAUÁ - BAHIA (2014)
Tenho
acompanhado, nos últimos anos, as ações e os discursos envidados especialmente pelos
representantes da Secretaria do Turismo do Estado da Bahia e, do mesmo modo,
por outros gestores vinculados à esfera administrativa do governo, atinentes a
sua atuação e aos objetivos no que respeita ao dito “resgate e revitalização dos festejos juninos na Bahia”. Ações e
discursos que preocupam, pois que, no meu humilde entendimento, resultantes de
uma política institucional equivocada, mais particularmente para o sertão da
Bahia, recanto privilegiado das mais expressivas manifestações culturais
populares. Quem conhece o sertão, a sua rica cultura e fervorosa religiosidade,
bem sabe do grande significado do mês de junho para o sertanejo. Bom ressaltar
que não apenas o Santo das fogueiras é celebrado, mas, igualmente, reverenciados
são os Santos Antônio e Pedro!
Em
primeiro lugar, penso que “resgate” (termo
tantas vezes utilizado pelos representantes do referido órgão) não seja a mais
apropriada expressão para tratar o assunto. Em segundo, tem se resgatado
exatamente o quê? O forró de raiz gonzaguiana e do qual tivemos o saudoso
Dominguinhos como qualificado e resistente propagador? Não, pois o que mais
incomoda e atemoriza, razão do que já se testemunhou em algumas cidades, é a
invasão de estilos e ritmos, priorizados e pomposamente financiados pelo
dinheiro público, que nada traduzem ou contribuem para a justa valorização e a
conseqüente visibilidade das genuínas expressões da cultura popular atrelada
aos ditos festejos.
Sem
critérios pertinentes ou mínima identidade no que concerne ao tema dos festejos
juninos, os espaços e palcos têm sido ocupados pelos grupos e “estrelas” dos
axés, pagodes, arrochas e dos “pseudo-forrós” – bandas de qualidades musicais tão
duvidosas, quanto, também, descartáveis pelos apelos sexuais exibidos sob uma
parafernália de sons e luzes! -, de forma agressiva porque majoritária, e que percebem
os melhores cachês, resultando a inaceitável e revoltante exclusão dos
cantadores e compositores sertanejos, dos sanfoneiros, dos tocadores de
pé-de-bode e de pífaros, dos zabumbeiros, das quadrilhas juninas, etc.! Contraditoriamente,
estes últimos que deveriam ser os mais solicitados e valorizados, quando contratados,
a eles são reservados os horários de menor ocorrência de público e dedicados os
mais reles pagamentos pelos seus qualificados trabalhos. Ou seja, tem havido uma
injusta inversão de valores! Reflexão:
alguma “coincidência” com o longo histórico das contratações e com as famosas
“grades” da programação oficial do grande entrudo soteropolitano de fevereiro?
Recentemente,
apenas para citar um exemplo, causou-me indignação o desabafo de um grande
mestre cantador da cultura popular sertaneja que, triste e revoltado, assim
traduziu a sua desdita: “tive pouco tempo para tocar meu professor!
Me apresentei acuado entre bandas!”. Inteligente
trocadilho (o grifo é para ressaltar mesmo!) que claramente traduz as
contradições aqui apresentadas e que carecem, efetivamente, de imediata reação.
Como se fosse um “enchimento de lingüiça”, assim se sentiu o compositor e
cantador do sertão, o querido Mestre Cavachão de Uauá, quando de sua
apresentação “the flash” em sua
própria cidade! Eis a preocupante realidade: entre as suntuosas apresentações
das bandas “famosas” - cujos dançarinos mais encenam exercícios aeróbicos,
coreografias sexuais dispensáveis e malabarismos circenses de mau gosto e cujos
cantores mais gritam desafinados do que propriamente cantam -, timidamente e
sob inaceitáveis pressões se apresentam os cantadores e músicos do cancioneiro
popular sertanejo.
Tenho
plena consciência de que a cultura é dinâmica, plural, naturalmente renovadora
nos seus passos e inovadora nas suas criações, que jovens artistas e suas
produções rítmicas diferenciadas surjam e, conseqüentemente, enriqueçam o
cenário cultural, considerando-se, inclusive, a propalada, porém pouco
entendida e pouco respeitada, diversidade cultural baiana. Mais aceitável ainda
que o “dito moderno” conviva com o “dito tradicional”. Cultura sempre foi e
será movimento! Mas há de se ter cuidado, critério e, sobretudo, respeito com a
cultura popular e com os seus qualificados e resistentes artistas! Novas reflexões: desde quando “madeirada”,
“sobe e desce mainha”, “chicletes”, “sofrências” e demais expressões musicais dessa
natureza integram a cultura junina? E o que está por trás dessa mesmíssima
parafernália sonora ao invadir o São João da Bahia nos seus recantos mais
festivos e tradicionais?
Portanto,
a infeliz conjunção do desconhecimento e desrespeito pelas tradições culturais
com a demagogia que esconde ambiciosos e oportunistas interesses imediatistas,
tanto dos setores privados (inclua-se, aqui, boa parte dos poderosos canais
midiáticos), quanto de algumas autoridades públicas então constituídas, têm, na
real, contribuído para este quadro inaceitável que hoje se pinta nos junhos
baianos.
Roberto Dantas
Historiador/Documentarista
Blog:
www.robertodantassertao.blogspot.com