No já longínquo novembro de 1896, uma tropa expedicionária
com poucos mais de cem homens, um médico e dois guias sertanejos enveredou – na
verdade, precário efetivo militar desprovido dos necessários conhecimentos do
percurso a vencer e rudemente abastecido – pelas áridas trilhas do sertão,
partindo, sob o comando do jovem tenente Manoel Pires Ferreira, da bela cidade
de Juazeiro, cujo destino final seria o resistente arraial conselheirista do
Bello Monte, mais conhecido como arraial de Canudos, então situado à margem
direita do histórico e intermitente rio Vaza Barris. Tempos da notívaga e já
contestada República e das pregações fervorosas do grande líder religioso, o
peregrino cearense Antônio Conselheiro em terras baianas.
A expressão “não foi”,
destacada no título acima, atende à surpreendente derrocada da referenciada
tropa na pequena Vila de Uauá, para a qual, liderados pelo chefe da Guarda
Católica Conselheirista, João Abade, os guerreiros do Bello Monte se deslocaram
no recôndito da madrugada e, com inabalada fé e força descomunal, fustigaram, no
alvorecer, a soldadesca em distraído bivaque. No dizer do próprio comandante
Pires Ferreira, os comandados de Conselheiro e Abade chegaram naquela vila tanto
para um nutrido combate, quanto para algum importante rito religioso, pois que,
além de cacetes, facas, machados e de algumas poucas armas de caça, também
envergavam imagens de santos, estandartes religiosos e, em especial, à frente
da turba, uma grande cruz de madeira, entoando, com inusitado fervor, cânticos
católicos!
As notícias da época dão conta de que a grande maioria dos
residentes da humilde vila embreara-se, dias antes, na caatinga, inclusive
levando as suas poucas criações, em face, portanto, da aproximação da tropa
expedicionária que ali acantonaria. Por medo das possíveis ações violentas do
efetivo militar ou mais provavelmente por simpatia à causa dos conselheiristas,
a verdade é que poucos uauaenses testemunharam a sangrenta refrega, causadora,
por conseguinte, da vergonhosa retirada da tropa que, avariada gravemente,
abandonou o campo de batalha, retornando para Juazeiro. Os relatos também
atestam que os dois guias contratados pelo comando expedicionário tombaram no
chão da luta e que o dito médico, amedrontado com o que testemunhara,
literalmente surtou, sendo transportado pelos soldados retirantes para ser tratado
naquela bela cidade das carrancas, banhada pelo Velho Chico.
Assim, Uauá figura, com brilhantismo, na história do maior
e mais significativo conflito sertanejo dessa nossa ainda injusta, porque
desigual, nação brasileira. Conflito em que a resistência popular em defesa de
seu solo, do seu modo simples e solidário de vivência comunitária e de seu
sonho por justiça social, tendo, sobretudo, a fé inquebrantável como elemento
condutor e basilar, legou para as gerações seguintes os mais imprescindíveis
ensinamentos. Eis um exemplo para ser ao menos refletido com seriedade e,
certamente, relembrado por todos nós, em especial nesses dias de tantas
incertezas e obscurantismo em que mergulhamos e para os quais carecemos
responsavelmente reagir.
Salve
Uauá! Salve o povo sertanejo!
Roberto
Dantas.